VIVENDO COMO IGREJA RELACIONAL
Escrito por Wayne Jacobsen. Traduzido por Ezequiel Netto
03 - O Espírito de
Família. Setembro de 2000.
Não importa o quão independente nós humanos
podemos tentar ser, há momentos em que não damos conta e precisamos
compartilhar com outros.
Momentos especiais são como estes. Há poucos
meses atrás, eu e Sara caminhávamos na praia, assistindo um casal de golfinhos
brincar e surfar nas ondas. Não conseguimos deixar de apontá-los para alguns
estranhos e ficamos lá compartilhando aquele momento com eles. Isto foi tão
inacreditável que eu imagino que contamos isso para quase todas as pessoas que
encontramos.
Também experimentamos ter pessoas ao nosso
redor quando nos sentimos ameaçados, inseguros ou com necessidade de direção.
Na primeira vez que eu e Sara tentamos caminhar por uma trilha para o Lago
Walling na reserva florestal de Kaiser, não tínhamos certeza de tudo o que
encontraríamos pela frente. Imagine nossa alegria ao encontrar outro grupo de
andarilhos descendo a mesma trilha? Pudemos confirmar nossa direção e fomos
alertados para uma área pantanosa cheia de mosquitos à nossa frente. Então,
aplicamos nosso repelente antes de virarmos o almoço deles.
E algumas coisas eu não gosto de fazer
sozinho, como mudanças, pinturas ou reformas. Coloquei nosso armário triplo no
segundo andar com a ajuda de amigos ou alguém da família que nos ajudou. Assim
como não gosto de fazer isso sozinho, também não gosto de ver pessoas que façam
da mesma forma. Compartilhar momentos especiais, informações que ajudem a
outros ao longo da caminhada ou recursos que aliviem o fardo sobre os ombros de
alguém... eu não posso imaginar uma descrição melhor sobre o que significa ser
parte da família de Deus. Por que as coisas nem sempre funcionam de forma tão
simples assim?
Saudades da Família.
Talvez você já tenha compartilhado algo especial que Deus te mostrou,
somente pra ter alguém que discordasse, ou até mesmo alguém que tentasse
rebater com suas próprias descobertas, ou mesmo te convencer de quão equivocado
está. Talvez já tenha pedido ajuda só pra ter alguém ignorando seus pedidos, ou
te dando uma direção errada, prometendo uma realidade que você jamais vai
encontrar. E em nossos dias, a comunhão está pouco relacionada com aliviar a
carga uns dos outros e mais com sobrecarregar os outros com demandas e
expectativas.
Por isso que vivemos cansados e sobrecarregados, onde muitos crentes se
reúnem apenas para assistir uma apresentação perfeita nos cultos; ou quando
falam de si mesmos, mostram sempre o seu lado melhor. Estas duas opções nos
livram do envolvimento com qualquer pessoa além do nível superficial e nos
rouba de uma das mais incríveis facetas de sermos filhos de Deus - viver como
parte de uma família maravilhosa.
Os relacionamentos quebrados em nossa família
natural nos ferem tão profundamente, mas mesmo em face de tamanha dor, as
pessoas ainda têm um insaciável desejo de estar ligadas como família, pois para
isto Deus nos criou. Infelizmente, o corpo de Cristo em nossos dias também não
está tendo sucesso em encontrar uma vida familiar saudável. Muitos abandonam o
corpo de Cristo feridos por causa do desejo frustrado em encontrar uma
comunidade verdadeira, cuidado mútuo e envolvimento, onde cada membro tem um
lugar significativo e cada pessoa tem seu valor.
Infelizmente hoje, as prioridades institucionais geralmente enfraquecem
o compartilhar de vida entre os crentes. Aceitamos cegamente suas demandas
enquanto falhamos em perceber que estas prioridades são o oposto de família. Em
vez de celebrar a diversidade e autenticidade, ou dar espaço para pessoas que
estão em diferentes passos na caminhada, estas são pressionadas para a
conformidade. Estabelecer e seguir uma programação é mais importante que
promover relacionamentos saudáveis e os dons de poucos são exaltados em vez de
se permitir que cada um possa expressar os seus. As instituições existem para
garantir a sua própria preservação, em vez de abraçar o projeto mais amplo de
Deus neste mundo e genuinamente alcançar aqueles que ainda não o conhecem. Não
é de se admirar que esta dinâmica tem mais sucesso para o entretenimento da
multidão do que para fortalecer a família de Deus.
Deixando o passado para trás.
Qualquer um que se envolveu no cristianismo institucional sabe quão
rapidamente os relacionamentos mais bem intencionados se transformam em alguma
das obras da carne que Paulo destacou em Gálatas 5: “inimizades, discórdias, ciúmes, dissensões, ambições egoístas, facções
e invejas”. Somos pegos nestas práticas mesmo pensando que estamos fazendo
a vontade de Deus.
Quando a dor fica tão intensa, a facção quebra para dar origem a um
corpo mais novo, melhor. Em poucos anos, eles são conduzidos pelas mesmas
coisas que rejeitaram. Depois de algumas experiências como estas, não é de se
admirar que muitos crentes perdem a esperança de encontrar a vibrante vida do
corpo.
Mas o Pai quer deixar toda essa mágoa e desapontamentos no passado. Já
ouvi histórias e mais histórias de horror de pessoas sendo exploradas por
aqueles que dizem ter a vontade de Deus no coração. Foram estimulados a abandonar
as mais profundas convicções em nome do “amor”
e da “unidade” e quando não agiram
desta forma, foram rejeitados e excluídos. Mesmo com experiências tão
martirizantes, ainda vejo nestas pessoas a fome pela verdadeira comunhão com
outros crentes.
Mas para experimentarem a verdadeira vida do corpo de Cristo, elas
devem manter esta fome à frente das amarguras e decepções do passado. Talvez
isso as ajude que embora sejam crentes tentando servir a Deus, aqueles
relacionamentos não foram edificados no verdadeiro espírito da família do Pai.
Muitas vezes eles estão focando mais no que precisam receber dos outros do que naquilo
que podem compartilhar.
É fácil olhar para nós como vítimas e os outros como vilãos, quando a
verdade raramente é tão simplista. Sim, provavelmente você foi manipulado pelos
outros, mas também não é verdade que cultivamos a nossa própria manipulação?
Esperamos que as pessoas agissem de certa forma e ficamos desapontados quando
elas não fizeram. Quando tentamos que elas façam do nosso jeito, recorremos a
táticas que Jesus jamais nos orientou a usar.
Por que isso? Porque nossa natureza caída usa as organizações quando
elas atendem a nossas necessidades e as rejeita quando não atendem. Em outras
palavras, o motivo pelo qual o espírito familiar muitas vezes se extingue na
proporção que cresce a instituição que tenta contê-lo, é porque as pessoas veem
a instituição como a forma de satisfazer suas próprias necessidades e
preferências.
Um pastor que conheço define a religião institucional como a mútua acomodação de necessidades pessoais.
Um tem necessidade de ensinar, outro de ser ensinado. Um tem necessidade de
liderar a adoração, e outro de ter uma experiência de adoração. Um precisa
pastorear, e outros desejam colocar suas responsabilidades sobre outros. Quando
juntamos nossas necessidades, somos explorados na mesma proporção que
exploramos. Não é de se admirar que este ajuntamento falha em desenvolver um
ambiente onde pessoas possam viver juntas como família de Deus.
Uns aos outros.
Desta forma, a raiz do problema não é a instituição, mas as nossas
necessidades pessoais e a busca de encontrar pessoas que as satisfaçam naquilo
que falhamos em nosso relacionamento com Deus. Você pode até encontrar
Escrituras para ressaltar esta noção errada, pois Deus claramente trabalha por
meio das pessoas como extensão de seus próprios braços. Mas isto não quer dizer
que Jesus edifica seu corpo baseado em nossas necessidades pessoais. Longe
disso!
Ele constrói a vida familiar somente por meio de nosso relacionamento
com Ele. Como Senhor dos Senhores, Cabeça da igreja, Salvador do mundo, todas
as nossas necessidades só podem ser satisfeitas nele. Se forem legítimas, Ele
vai ao encontro delas. Se, em vez disso, são apenas os delírios tiranos de
nossa carne, Ele vai nos libertar delas. Somente quando entendemos isso que
finalmente estamos prontos para o tipo de vida que Jesus vislumbra para nós.
Quando aprendemos a confiar nele para tudo - nossa satisfação, nossa
direção, nossa justiça, nosso ministério, nossos recursos - nós finalmente
podemos começar a compartilhar relacionamentos saudáveis com outros crentes.
Porque nossos olhos estão em Jesus para trazer sua vida para nós, nunca mais
manipularemos outras pessoas para nos dar o que precisamos. Embora Ele muitas
vezes use outros crentes para fazer isso, Ele raramente vai usar aqueles dos
quais estamos esperando algo.
É por isso que as Escrituras pintam um quadro da vida no corpo bem
diferente do que encontramos hoje. Ela não considerou grandes instituições com
dirigentes contratados e sobrecarregados. Em vez disso, idealizou um grupo de
pessoas crescendo juntas em ouvir a Jesus; as quais intencional e livremente
aprenderam a compartilhar suas vidas sem manipular uns aos outros. A única vida
no corpo que a igreja primitiva entendia era o cuidado, sabedoria, e
encorajamento que as pessoas compartilhavam juntas na realidade da vida.
Eles não imaginavam a igreja como pessoas enfileiradas em cadeiras. Em
vez disso, eles entendiam que a igreja era todo um corpo comprometido em
compartilhar momentos especiais, ajudando uns aos outros na caminhada e
encontrando formas de aliviar as cargas uns dos outros. É por isso que a vida
da igreja primitiva pode ser resumida no que as Escrituras chamam de “uns aos outros” através do Novo
Testamento (veja lista abaixo).
Assim que eles expressavam o compromisso com a família do Pai. A
amizade centrada em Cristo transbordando em atos de compaixão e serviço através
do curso diário da vida humana. O corpo florescia somente quando cada pessoa
tinha liberdade para crescer em Cristo e era valorizada por seus dons e
impressões que compartilhava com o corpo. Não era um grupo de pessoas que
precisava ser dirigido ou entretido; mas uma família que podia mutuamente
compartilhar a vida de Deus. Ninguém precisava se assenhorear sobre os outros.
Ninguém necessitava se sentir espiritualmente inferior. Pelo contrário, eles
buscavam resolver suas necessidades em Jesus, e intencionalmente colocavam as
necessidades dos outros em pé de igualdade com suas próprias.
O
chamado para “uns aos outros”
· Amai-vos uns aos
outros - Jo 15:12
· Preferindo-vos em honra uns aos outros - Jo 12:10
· Edificando uns
aos outros - Ro 14:19
· Servindo uns aos
outros - Gl 5:13
· Sendo cordiais uns
com os outros - Ef 4:32
· Encorajando uns
aos outros diariamente - Hb 3:13
· Suportando uns
aos outros - Ef 4:2
· Confessando os pecados e orando uns pelos outros - Tg 5:16
· Estimulando uns
aos outros no amor e boas obras - Hb 10:24
· Admoestando uns
aos outros - Rm 15:14
· Levando a carga uns
dos outros - Gl 6:2
· Perdoando-vos uns
aos outros - Ef 4:32
· Consolando uns
aos outros - I Ts 4:18
· Submetendo uns
aos outros - Ef 5:21
· Sendo hospitaleiros uns
para com os outros - I Pe 4:9
· Compartilhando uns
com os outros - At. 4:34-35
· Ensinando uns aos
outros - Cl 3:16
De graça recebestes, de graça daí.
Note que não buscamos no corpo o que não encontramos em Cristo. É o
contrário. Damos ao corpo a plenitude de nosso relacionamento com Ele. Por isso
que Jesus não disse para buscarmos amor uns nos outros e nem para receber o
serviço dos outros, mas para amarmos e servirmos uns aos outros. Não é o que
esperamos receber dos outros que nos introduz na vida do corpo, mas o que
intencionalmente damos.
Jesus expressou isso aos discípulos da seguinte forma: “De graça vocês receberam, de graça devem dar”!
Receberam de quem? Uns dos outros? Não, eles compartilhavam o que receberam de
Deus. Gosto como a Bíblia Mensagem traduz esta passagem: “Você foi tratado generosamente, então viva generosamente.”
Eu amo porque ela põe as coisas em sua própria ordem. Eu não posso ser
generoso até eu experimentar no dia-a-dia a generosidade de Deus por mim. E se
tenho experimentado a generosidade de Deus por mim, não posso deixar de tratar
todos os outros ao meu redor da mesma forma. Os crentes mais infelizes para mim
são aqueles que nunca descobriram esta generosidade. Porque vivem em seus
próprios recursos ou expectativas, em vez de abraçar a vida de Jesus com todo o
coração, enxergam a Deus como um Deus fraco. Eles nunca têm tempo ou energia
suficientes para eles mesmos, quanto menos para serem tomados em interesse dos
outros.
Contudo, quando nos enchemos do incrível amor de Deus por nós e
abraçamos seu propósito, não temos que fazer de ninguém seu substituto. Como as
pessoas gostam de encontrar as outras enquanto vivem, algo incrível acontece -
família! Já fui pego no aeroporto muitas vezes por pessoas totalmente estranhas
e, durante o tempo que fiquei em suas casas, tive a impressão de já conhecê-la
por um longo tempo.
Amigos na Aventura.
Eu honestamente penso que se nos preocupássemos menos em tentar
encontrar a igreja, ou tentar começar uma nova, e simplesmente aprendêssemos a
viver no amor do Pai enquanto intencionalmente buscamos oportunidades de
compartilhar isso com os outros, encontraremos nós mesmos no meio da igreja
todos os dias.
O problema para muitos é que confiar em Deus é algo periférico em suas
vidas, bem como o relacionamento com crentes para encorajamento e edificação
mútua. Pensamos que só porque sentamos regularmente na mesma sala com outros
crentes e chamamos isso “família” que
já experimentamos a totalidade disso. A verdade é que, provavelmente, nem mesmo
começou.
Deixa Deus ser a única fonte de todo desejo e necessidade em sua vida.
Entre na aventura de aprender a confiar nele e você o verá te conectando com
outros crentes que estão na mesma jornada. Será como encontrar peregrinos no
campo. Haverá uma harmonia imediata, uma disposição de compartilhar o que vocês
já experimentaram em ajudar outros, sem o desejo de forçar o outro a fazer o
que você está fazendo.
Se for Deus que os está conduzindo, encontrarão maneiras de andar
juntos e descobrir como compartilhar algo proveitoso para cada um. Não consigo
enfatizar o bastante que isso é uma escolha intencional de comprometer a
família pró-ativamente e de tornar-se um participante ativo em ajudar os
outros. Isso não acontece enquanto sentamos em casa e giramos os polegares, ou
sentamos num culto e contamos os minutos até o sermão terminar. Isso acontece
quando as pessoas se lançam na aventura com Deus e ativamente buscam participar
da vida dos outros como um encorajador na caminhada.
Quando ouvir que há outros crentes por perto compartilhando a mesma
paixão, vá checar isso. Participei de algumas reuniões no verão passado onde pessoas
decidiram percorrer grandes distâncias para encontrar outras que estavam no
mesmo tipo de caminhada. Se existe um grupo de vocês tentando fazer isso e
sentindo como se estivessem aquém, peçam ajuda a alguém para conversarem juntos
e ouvirem o que Deus está dizendo.
Não há nada igual ao tipo de relacionamento que nos permita
compartilhar momentos especiais, que ajude as pessoas a irem mais além na vida
com Deus e levar o peso que nos põe pra baixo na vida. Não é tão
difícil como se poderia pensar, e as
alegrias são indescritíveis.
Acima de tudo, é o que Ele te fez para fazer parte!
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