VIVENDO COMO IGREJA RELACIONAL
Escrito por Wayne Jacobsen. Traduzido por Ezequiel Netto
02 - Setembro de 1999.
“Não
deixemos de reunir-nos como igreja, segundo o costume de alguns, mas
encorajemo-nos uns aos outros, ainda mais quando vocês veem que se aproxima o
dia” (Hb 10:25).
Não conheço
outra Escritura que tenha sofrido mais abuso que esta. É muitas vezes citada
como a razão pela qual as pessoas devem participar de uma instituição religiosa
nas manhãs de domingo, sentar nas fileiras e submeterem-se à performance
musical e leitura que outras prepararam para elas.
Para muitos,
este é o único critério que determina se alguém pertence à igreja de Deus ou se
é relacionado como independente e rebelde. É uma ideia tão cristalizada em
nossa psique religiosa que nada mais importa.
Se você
frequenta algum desses estabelecimentos religiosos com certa regularidade
(poucas semanas já são suficientes), os demais te considerarão um crente
saudável. Se não, eles levantam as sobrancelhas com desconfiança. Só o
frequentar já valida a fé de alguém, mesmo quando mais nada em suas vidas é
considerado para mostrar que conhecem a pessoa de fato. Algumas das pessoas
mais arrogantes e independentes que conheço participam semanalmente de eventos
religiosos, mas saem e vivem a vida em seus próprios termos.
Baseado neste
ponto, muitos vão admitir que frequentar cultos nas manhãs de domingo não vai
garantir seu caminho para os céus e nem assegurar um relacionamento
transformador com o Deus Vivo. Enquanto eles admitem que isso pode não
funcionar para todo mundo, consideram aqueles que não congregam regularmente
como estando em grande perigo.
Que tragédia!
Quando falhamos em enxergar a igreja como Deus a vê, e impensavelmente
abraçamos o que 2000 anos de tradição religiosa diz que ela é, perdemos uma das
mais simples e melhores verdades da Palavra de Deus. O escritor de Hebreus está
falando de algo muito mais vital do que alguém sentado nos bancos num culto de
domingo.
Encorajando uns aos outros.
O texto de
Hebreus acima nunca foi escrito para ser uma comprovação para obrigar as
pessoas a frequentarem uma programação de cultos toda semana. Mas, por favor,
não me compreenda mal. Se seu relacionamento com outros cristãos gira em torno
destas reuniões e neste ambiente você está crescendo em experimentar tudo o que
Deus tem pra você, permaneça com isso!
Mas penso que
cometemos um erro grave se assumirmos que isso era tudo o que o escritor tinha
em mente. Eu apresento cinco razões pelas quais ele deveria estar falando de
algo maior:
Primeiro, a igreja daquela época não
tinha nada parecido com o que atualmente chamamos de “culto”. Sim, eles se reuniam - principalmente em casas, e só
ocasionalmente em reuniões maiores para ouvir um dos apóstolos ou um mestre
distante que os ajudaria a descobrir quem Deus é e como caminhar com Ele. Essas
reuniões, contudo, em nada se pareciam com a maioria das reuniões atuais,
feitas mais para entreter do que para capacitar.
Segundo, o escritor tinha o foco em
um ambiente onde cada crente era envolvido em encorajar os outros -
estimulando-os ao amor e boas obras. Onde isso acontece nas reuniões atuais? As
pessoas só olham para a nuca das outras enquanto todo o “ministério” é desempenhado por talentosos músicos e oradores. Essa
Escritura pinta um quadro totalmente diferente, com diálogo face a face e
engajamento pessoal.
Terceiro, ele fala para eles fazerem
isso diariamente. Como isto poderia ser compreendido como uma ou duas reuniões
semanais? O escritor estava falando de reuniões que eles teriam a cada dia.
Obviamente, ele não falava de reuniões organizadas, mas contatos espontâneos
entre crentes que aprendiam a viver juntos diante de Deus e encontravam
ocasiões para compartilhar suas vidas diariamente.
Quarto, ele diz especificamente
que a principal razão em se reunir é para que um encorajasse ao outro. A
maioria das pessoas fala em frequentar as instituições religiosas de hoje por
causa da responsabilidade que assumiram, e não para encorajamento. O que pode
ser doloroso, mesmo não sendo intencional. Philip Yancey conta sobre uma
prostituta que buscava ajuda e foi encorajada a procurar uma igreja. Ela
respondeu, “Por que eu iria lá, pois já
me sinto terrível comigo mesmo. Eles farão eu me sentir pior”.
Surpreendentemente,
nenhuma Escritura orienta os crentes ou líderes a dar responsabilidades a cada
um. Isto é reservado somente a Deus. Estamos falando de encorajar uns aos outros
e dizendo que algumas vezes poderíamos confrontar ou admoestar, e isso não quer
dizer que estamos assumindo responsabilidade uns pelos outros.
Quinto, ele animou os crentes a se
conectarem uns com os outros em toda a comunidade. Enquanto pregamos que a
reunião dos crentes é essencial, nossas reuniões contribuem cada vez mais para
a fragmentação do corpo de Cristo em cada localidade. Em vez de nos ligarmos
com uma grande diversidade de pessoas, nos reunimos apenas com pessoas
exatamente iguais a nós, e que creem da mesma forma que nós.
Dois ou três reunidos.
O escritor de
Hebreus encorajava um relacionamento entre os crentes que ia muito mais fundo
que qualquer culto religioso pode oferecer. Ele falava de uma completa rede de
relacionamentos que Deus constrói entre os crentes e o quanto é importante para
nós permitir que outras pessoas participem de nossas vidas. Não caminhe
sozinho, quando podemos ser tão úteis uns para os outros.
Paulo nos deu
uma percepção do porquê disso em Efésios. Ele disse que a plenitude de Deus é
revelada em todo o corpo, e não em crentes isolados. Não conhecemos o bastante
por nós mesmos, e nem teremos força suficiente. E como vamos vivenciar isso?
Sendo espectador em uma grande reunião, ou compartilhando nossas vidas com companheiros
de caminhada?
Até mesmo
Jesus deixou isso claro ao dizer que o mais poderoso momento da vida do corpo
acontece entre dois ou três, e não em grupos de centenas. É onde as pessoas
podem ser conhecidas pelo que realmente são, amadas em momentos de desespero, e
descobrir a presença de Deus nos outros.
O mais
poderoso exemplo disso neste século aconteceu na China durante o regime
comunista. Como as pessoas foram forçadas para a clandestinidade por causa da
perseguição, eles descobriram a alegria de cuidarem uns dos outros, de não se
considerarem como a pessoa mais importante, a liberdade das tradições
religiosas, da liderança de um só homem, e daqueles que não eram completamente
rendidos a Deus. Como a vida de Deus cresceu no meio deles é que foi o mais interessante.
E nós estamos ouvindo as mesmas lições que eles aprenderam neste período? Não!
Estamos tão ocupados com nossa programação cristã de forma que elas possam ser
mais parecidas como nosso jeito.
As
circunstâncias os forçaram a abraçar o que o Novo Testamento fala tão
claramente. A verdadeira vida do corpo não pode ser adotada institucionalmente;
ela resulta de pessoas completamente apaixonadas pelo Pai e aprendendo como
viver como família com outros irmãos e irmãs.
Infelizmente,
muitos crentes nunca experimentaram este tipo de vida no corpo - não têm uma
visão de igreja além do que experimentam nos domingos, assistem ao culto e
voltam para suas vidas particulares. Contudo, quando vem a crise e precisam de
amigos para compartilhar a vida de Deus nessas circunstâncias, não encontram
ninguém. Logo percebem que ficar sentados assistindo cultos não os prepara
adequadamente para encarar os dias ruins de suas vidas.
Encontrando a Família.
Conhecendo a
Deus como Pai nos leva a um engajamento com seu povo como família. Você sente a
fome agitando você? Está acontecendo com pessoas em todo o mundo! Cansados com
os joguinhos políticos usados para manipular o poder institucional, ou
entediados com o ambiente passivo promovido nos “cultos” de adoração, pessoas estão deixando a religião organizada
em números cada vez maiores.
Conheço muitos
destes que, infelizmente, abandonaram a Deus, mas também muitos outros famintos
em compartilhar uma autêntica vida no corpo de Cristo com outros crentes que
permitem que Jesus seja verdadeiramente o centro da forma que aprendemos a
viver sua vida em completa liberdade. Como muitos no limite da fome, eles podem
não saber o que estão realmente buscando. Como muitos de nós ficamos a maior
parte de nossas vidas numa religião, não temos certeza de onde mais devemos
olhar. Então continuamos buscando um evento, um grupo de pessoas ou um mentor
para nos ajudar encontrar um caminho, e muitas vezes ficamos desapontados nessa
busca.
Como disse no último
artigo, a dinâmica institucional só produzirá uma sombra do que a vida familiar
realmente é. Ela não pode nos proporcionar a realidade. Se é relacionamento o
que estamos querendo, então devemos pensar relacionalmente. O tipo de
comunidade de Deus não é produzido pela engenhosidade humana ou por um
programa. Ela brota organicamente em torno das pessoas que estão aprendendo a
seguir Jesus e se veem como parte de algo maior que eles mesmos.
Então,
encontrando a família do Pai começa com o próprio Pai, e não com os outros. Se Ele
não é o objeto de sua busca de todo o coração, você perderá a parte principal
do que Ele é pra você. Não comece com um programa. Comece com Ele. Não permita
que nenhuma expressão da vida do corpo seja substituto para o cultivar de seu
relacionamento pessoal com Ele. Muitas vezes confundimos isso. Buscamos um
relacionamento com Deus no relacionamento com os outros. O oposto, porém, é
verdadeiro. Aprendemos a nos relacionar com os outros, mas amando a Deus em
primeiro lugar. Então você será capaz de ver como Ele está te colocando em
família ao redor de você. Se volte para toda a sua localidade, e não apenas
para um grupo particular. Deus tem pessoas em todo lugar. Descobrir como Ele
quer te introduzir nesse processo pode envolver alguns estágios, tais como:
1. Comunhão
Espontânea: estar conectado na família muitas vezes começa com comunhão
espontânea. Que crentes famintos Deus colocou ao seu redor? Podem ser pessoas
conhecidas que você convidaria para uma tarde de comunhão, ou almoçar de vez em
quando. Também acontece em momentos não programados, quando você está na fila
do mercado e encontra uma pessoa à sua frente que também ama ao Senhor.
Deus tem
muitas maneiras de reunir sua família. Procure conhecer a família que mora em
seu bairro; convide à sua casa o novo funcionário de seu trabalho, ou seja
voluntário em sua comunidade e veja quem Deus colocou perto de você. Te garanto
que não vai mais olhar as pessoas ao seu redor da mesma forma novamente. Eles
podem ser crentes com os quais você pode compartilhar a vida de Deus, ou
pessoas que não o conhecem plenamente, às quais você pode amar em nome de
Jesus.
A comunhão
começa dessa maneira. Pessoas que conhecem um pouco mais umas das outras, e
descobrem que têm a vida de Deus em comum. Em minhas viagens encontro pessoas
em todo canto do mundo com fome de conhecer o Deus Vivo, que tomamos uma
refeição juntas, ou que nos encontramos na casa de alguém que eu ainda não
conhecia, onde começa um longo relacionamento onde compartilhamos nossa paixão
por Jesus.
A comunhão espontânea
pode der bastante fluida. Ela pode durar somente poucos momentos, ou dias, mas
algumas vezes ela pode se tornar muito mais significativa. Olhe ao redor de
você. Os crentes com os quais Deus quer que você experimente a vida do corpo
podem estar muito mais perto do que você pensa.
2. Desenvolvendo
amizades: além desses encontros espontâneos, você encontrará pessoas com as
quais você deve ter conexões mais profundas. Isto se o Espírito Santo está
aproximando vocês para ajuda mútua na caminhada.
As amizades se
desenvolvem quando as pessoas se esforçam para estar juntas. Encontram-se
constantemente, procuram coisas para fazerem juntos, e retornam encorajados
após esses encontros.
Amigos não
colocam expectativas uns sobre os outros, e nem usam o outro para suas
necessidades pessoais. Amigos são aqueles que compartilham juntos suas jornadas
com o Pai. Não buscam controlar um ao outro, e nem desprezam o outro caso não
atenda suas necessidades. A amizade divina busca compartilhar a caminhada
juntos com a mais profunda honestidade e vulnerabilidade, sempre dando a
liberdade para a outra pessoa ser completamente genuína.
Muitas vezes a
amizade surge entre pessoas que se ajudaram durante tempos difíceis. O que
muitas vezes começa como um ato de compaixão pode facilmente se tornar uma
amizade muito próxima. Por isso é importante engajar pessoas em necessidade ao
redor de nós, oferecendo suporte e a ajuda necessária que pudermos até que
atravesse a crise.
Toda amizade
verdadeira que temos com alguém na família do Pai é um incrível tesouro. Elas
são dignas de cada fração de tempo que gastamos para cultivá-las. As
verdadeiras duram para sempre, embora o tempo e as circunstâncias podem não
permitir que estejamos juntos com regularidade. Mas quando vocês se
reencontram, podem retomar exatamente do ponto onde pararam.
3. Comunidade
Intencional: com o desenvolvimento das amizades, muitas vezes as pessoas
querem algo mais. Deus nos fez para viver em comunidade, lembre-se disso, e
embora estejamos ligados pela cruz a todos os crentes do planeta, uma das mais
valiosas formas de experimentar a vida de Cristo é compartilhar a caminhada com
um grupo de amigos.
A comunidade
intencional acontece quando um indivíduo ou família decide se ligar com outros
para compartilhar a caminhada. Percebendo que o Pai os chamou para caminhar
juntos por um tempo, que pode durar alguns meses ou vários anos, eles
escolheram compartilhar suas experiências juntos, seja em reuniões regulares de
compartilhamento, louvor, oração e estudo da Palavra, e tendo contato durante a
semana.
Ouvindo a Deus
juntos, guardando a liberdade de cada um em Cristo, cuidando uns dos outros em
momentos de necessidade, e estando atentos para como Deus quer nos usar para
estender seu reino parecem ser alguns dos objetivos deste tipo de comunidade.
A forma que
elas tomam, contudo, pode variar bastante. Igrejas nos lares podem ser do jeito
que falei, mas também podem ser grupos que surgem dentro das instituições. Eles
não se reúnem por uma aliança ou credo, mas por pessoas que escolhem se amar
profundamente o bastante para estarem juntas nos altos e baixos da vida, e
viverem abertamente umas para as outras. Embora isto possa demandar um artigo
inteiro algum dia, as crianças se adaptam muito bem a esse ambiente e nada
melhor do que isso para prepará-las a uma vida de aventura na família do Pai.
A Iniciativa Necessária.
Por que,
muitas vezes, esses grupos são difíceis de encontrar? Porque eles exigem um
nível de iniciativa pessoal que a maioria das estruturas programadas roubou do
povo de Deus. Pode ser porque alguns preferem ser alimentados como crianças, ou
porque foram levados a pensar que são incompetentes para seguir a Deus sem a
ajuda de um líder “ordenado”, muitos
crentes têm pouco tempo ou energia para descobrir a grandeza de viver no corpo
de Cristo do jeito que o Pai pretende.
Existem
maneiras muito mais fáceis de juntar cristãos, mas para descobrir a
profundidade do que viver na família do Pai quer dizer não podemos simplesmente
sentar atrás de alguém e esperar que façam a programação. Em vez disso, podemos
optar por nos unir com pessoas que Deus colocou ao nosso redor buscando de que
forma nossas vidas podem abençoar a outros. Reconhecendo as pessoas que Deus
chamou para andar conosco, podemos combinar nossos recursos com aqueles irmãos
e irmãs e nos descobrir muito mais capacitados a estar firmes quando os dias
forem maus.
Isto é o que o
escritor de Hebreus quis que você soubesse.
Isto é o que
Deus está reedificando nestes dias. Peça para Ele te mostrar sua igreja como Ele
mesmo a vê, e viver na alegria, poder e liberdade desta realidade.
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