segunda-feira, 5 de março de 2018

O princípio da mordomia na vida do filho de Deus



O princípio da mordomia na vida do filho de Deus.
Guilherme Afonso Ferreira. Uberlândia/MG, março de 2018.
Introdução
Primeiramente gostaria de expressar que o presente texto é fruto de minhas reflexões, de minha experiência pessoal e de minhas convicções sobre os assuntos tratados, e que em nenhum momento almejo que pessoas com pensamentos diferentes dos meus mudem seus conceitos e práticas em função daquilo que creio.
Minhas convicções sobre o tema não são fruto simplesmente de breves e recentes leituras, conversas ou reflexões, mas sim vêm sendo construídas ao longo não somente de meus 35 anos de convertido, mas também de minhas vivências anteriores desde que me entendo por gente como filho de pastor presbiteriano que sou, nascido em Campinas em 1963.
Minha compreensão sobre o tema também não é fruto exclusivo de meus pensamentos independentes. Pelo contrário, é uma mescla de reflexões em cima de muito ouvir de outros sobre seu próprio entendimento, bem como da leitura de muitos textos e mesmo livros voltados para o tema ou onde este é abordado em algum momento.
Tal qual em outros assuntos, em momento algum entendi ser exigência das Escrituras, ou do Espírito Santo, que minhas crenças (ou de qualquer pessoa) sejam, sem um honesto convencimento interior, amoldadas ou conformadas às práticas e convicções de terceiros, ainda que pessoas reconhecidas por seu amor, compromisso, serviço, humildade, dedicação e experiência no meio dos filhos de Deus.
Sobre “convicções”, concordo com a afirmação de José Jamê Nobre, homem de Deus a quem conheço a décadas: “Tenho minhas convicções; porém, as escrevo a lápis”. Creio que devemos estar abertos não só à reflexão de pensamentos diferentes dos nossos, mas à mudança quanto ao que o Espírito Santo trouxer à nossa consciência, sem, repito, a imposição de qualquer pessoa, grupo ou doutrina que seja.
Gostaria de entrar direto no assunto que escolhi chamar de “Princípio da mordomia na vida do filho de Deus”, porém, dado a relevância que se dá nos dias atuais à prática do preceito dos dízimos, provavelmente esse tema ocupará mais tempo que o desejado em minhas reflexões.
Assim, resolvi dividir meu trabalho em duas partes:
·       Parte 1 - A prática do preceito dos Dízimos
·       Parte 2 - O princípio da Mordomia na vida do filho de Deus
Minha perspectiva dos temas abordados será baseada fundamentalmente nos textos bíblicos que tratam dos assuntos. Eventuais citações de outras literaturas, de pensamentos e experiências de outras pessoas, de práticas e doutrinas de qualquer grupo cristão, no meio institucional ou não, terão como objetivo somente trazer reflexões que possam contribuir na compreensão do todo, sem, no entanto, respaldar qualquer posição em complementação ao texto bíblico.
Ainda sobre o texto bíblico, minhas reflexões são fundamentadas essencialmente em sua compreensão interpretativa direta e simples, sem rodeios e manipulações que visem a defesa de um ponto de vista específico.
Creio, no entanto, na importância e nos benefícios, para a compreensão do texto bíblico, de se contextualizar (não relativizar!) o momento, os costumes, a cultura, enfim a história em que ele se insere quando foi escrito.
Reconheço que a questão dos dízimos é um dos temas mais polêmicos no meio cristão desde há muito tempo. E também dos mais confusos, temidos e arbitrários.
Como falei no primeiro parágrafo, não tenho a intensão de mudar o pensamento de irmãos de meu relacionamento, ou mesmo de outros que venham a conhecer esse texto.
Na verdade, não foram poucas as vezes nos últimos anos que comecei a colocar no papel minhas convicções a respeito desse assunto, mas, via de regra, acabei deixando para lá.
Porém, nos últimos meses surgiu uma razão mais forte para eu enfrentar esse desafio e deixar claro meu posicionamento: minhas filhas começaram a me perguntar sobre o assunto, visto que vira e mexe elas ouvem alguma coisa sobre o tema aqui e acolá. E, obviamente, passo a elas o que creio, certo de que, à medida em que aprenderem a ouvir a voz do Espírito Santo, Ele guiará a consciência delas na verdade.
Outro fator que também surgiu nos últimos meses, é que tenho refletido sobre a necessidade de ser autêntico em todos os aspectos, primeiramente em meu relacionamento com Deus e com minha família e na sequência em minha comunhão com os irmãos e na amizade com todas as pessoas que me rodeiam.
Tenho aprendido também que devo viver segundo minha consciência diante de Deus. Jesus colocava a verdade para as pessoas, sem nada forçar, e deixava que a consciência delas, tocadas pelo Espirito Santo, julgasse suas palavras e decidisse espontaneamente ama-lo e obedece-lo. Paulo fazia a mesma coisa!
Aos que me leem reforço o seguinte, não somente em relação ao tema que coloco aqui, mas nos mais diversos assuntos relacionados à vida com Deus e com a igreja: não violente sua consciência! Porém, esteja sempre aberto para que o Espírito Santo a mude no que for necessário. E não deixe de permanecer como está, ou mesmo de mudar, por respeitos humanos, por temor das consequências, ou pelo risco de ser incompreendido ou mesmo rejeitado até mesmo por pessoas que você ama!
Caso suas convicções sejam (ou venham se tornar) semelhantes às minhas, principalmente no que diz respeito à primeira parte de meu texto, saiba que provavelmente você ainda estará entre uma minoria nos dias de hoje.
Então, nunca aborde esse assunto visando confrontar ou causar polêmica com quem quer que seja. Mas seja livre para expô-lo sempre que for questionado ou que as circunstâncias o levem a deixar claro o que você crê de forma a não viver em falsidade. Lembremos da palavra de Paulo aos Romanos 12:18:
“Façam todo o possível para viver em paz com todos.”
Isso não implica em viver um princípio somente porque a maioria ao seu redor eventualmente creia nele. Violentar sua consciência para ter paz com os outros de cara te impedirá de ter paz consigo mesmo e somente prorrogará um enfrentamento que em algum momento pode se tornar inevitável.
E seja humilde. Creia que cabe somente ao Espírito Santo (por somente Ele ter poder para isso) convencer as consciências da verdade, a sua e a dos demais.
Ser humilde também implica aceitar e conviver em amor com pessoas que pensam diferente da gente! E muitas vezes a diversidade de pensamentos é um fator enriquecedor em nossa caminhada com outros que igualmente buscam viver no amor do Pai e assim ser um estímulo para trazer outros para o coração de Deus.
Encerro essa introdução lembrando das palavras de meu amigo Augusto Guedes, da página no Facebook “A Prática da Igreja no Caminho”:
“Jesus nunca deixou de permitir que pessoas pensassem diferente e nem ensinou isso aos seus discípulos.”
Parte 1 - A prática do preceito dos Dízimos
Procurarei desenvolver o texto em ordem cronológica, bíblica e historicamente.
Estes são todos os textos bíblicos onde “dízimo” é citado:
GÊNESIS 14:8-24
GÊNESIS 28:18-22
LEVÍTICOS 27:30-33
NÚMEROS 18:21-32
DEUTERONÔMIO 12:11-17
DEUTERONÔMIO 14:22-29
DEUTERONÔMIO 26:12
NEEMIAS 10:37 e 38
MALAQUIAS 3:8-12
MATEUS 23:23
LUCAS 18:12
HEBREUS 7
As duas citações sobre dízimo registradas antes da Lei de Moisés (Abraão e Jacó) demonstram que podia ser um costume entre os povos antigos entregar espontaneamente a sacerdotes uma parte de bens adquiridos, seja nas guerras ou mediante reconhecimento de intervenção divina.
“Relatos históricos indicam que a prática de compartilhar um percentual do espólio com pessoas espiritualmente importantes era costume na cultura suméria - uma cultura na qual Abraão estava imerso.” Douglas Weaver.
Afirmar que Abraão e Jacó eram ‘dizimistas fiéis’, como fazem alguns autores, considerando o que temos registrado em Gênesis, é arriscar uma especulação que eu não levaria a sério.
Abraão não entregou o dízimo de tudo o que ele tinha, de todos os seus bem, como afirmam alguns. Abraão entregou espontaneamente a Melquisedeque a décima parte dos bens e mantimentos que tomara de volta dos cinco reis que haviam saqueado Sodoma e Gomorra, levando bens, mantimentos e pessoas, inclusive Ló e sua família.
É bom lembrar que, pelo costume da época, Abraão tinha direito a tudo quanto havia tomado quando, com seus 318 homens, liderados por ele e seus aliados Aner, Escol e Manre, venceu aqueles reis. Independente de tudo antes pertencer a Sodoma e Gomorra, ele poderia agregar todos os bens ao seu patrimônio e considerar como seus escravos todas as pessoas que trouxe de volta, até mesmo seu sobrinho Ló. Era a lei cultural da época!
No entanto, o texto nos diz que Abraão entregou 10% de todos os bens (do despojo) para o sacerdote Melquisedeque que lhe veio ao encontro e, logo em seguida, devolveu ao rei de Sodoma tudo o que continuou em seu poder (após separar a porção devida aos seus aliados). Veja Gn 14:8-24.
“E Abrão lhe deu o dízimo de tudo.”
E, por fim, por ser um homem segundo o coração de Deus, Abraão libertou todas as pessoas que, por direito, poderiam ser seus escravos dali em diante. E o texto diz que o rei de Sodoma pediu a Abraão as pessoas, às quais certamente imporia uma servidão terrível!
Jacó, negociador astuto como era, falou de dar a Deus o dízimo de tudo que Ele lhe desse. Uma iniciativa de Jacó e não algo imposto, nem um fato que possa ser citado como regra. Gn 28:18-22.
“e de tudo o que me deres certamente te darei o dízimo"
Não há nenhuma referência bíblica posterior indicando que Jacó tenha cumprido sua promessa ou mesmo que ele (e anteriormente Abraão) tenha adotado a prática de entregar dízimos.
A prática do dízimo, ou, “dos dízimos”, para ser mais correto, foi instituída na lei de Moisés, tal qual outras obrigações devidas pelos judeus da Velha Aliança, como sacrifícios de animais, a guarda do sábado e a circuncisão.
Lv 27:30-33 é o primeiro texto do Pentateuco de Moisés referente ao preceito legal dos dízimos, seguido de Nm 21:18-32, Dt 12:11-17, Dt 14:22-29 e Dt 26:12. Após Moisés, apenas Ne 10:37,38 e Ml 3:8-10 fazem referência aos dízimos no Antigo Testamento.
Os dízimos eram constituídos da décima parte dos animais que nascessem nos rebanhos, da tosquia das ovelhas e das colheitas dos frutos da terra e das plantações agrícolas. Então, é óbvio que era devido somente pelo judeu proprietário ou, no máximo, arrendador de terras. Nunca foi dinheiro e nunca foi obrigação de todos que estavam debaixo da Lei.
Talvez pudéssemos dizer que a obrigação por parte de alguns dentre o povo de Israel de entregar a décima parte de sua produção se compararia nos dias de hoje à obrigação, também por parte de alguns dentre o povo, do pagamento de ‘Imposto de Renda’.
No Brasil, atualmente, só paga imposto de renda quem ganha acima de R$ 2.000,00 mensais; a maioria dos brasileiros é isenta dessa obrigação. Em Israel, só entregava dízimos quem era proprietário de terras; então, a maioria dos judeus era isenta dessa obrigação.
Durante dois anos seguidos os dízimos separados eram usados numa grande festa pelo próprio “dizimista”, ou seja, não era entregue a nenhuma autoridade e sim comido e bebido (inclusive bebida alcoólica!) lembrando da bondade do Senhor que lhes deu uma terra onde manava leite e mel. Dt 14:22-27.
“Separem o dízimo de tudo o que a terra produzir anualmente. Comam o dízimo do cereal, do vinho novo e do azeite, e a primeira cria de todos os seus rebanhos na presença do Senhor, o seu Deus, no local que ele escolher como habitação do seu Nome, para que aprendam a temer sempre o Senhor, o seu Deus. Mas, se o local for longe demais e vocês tiverem sido abençoados pelo Senhor, pelo seu Deus, e não puderem carregar o dízimo, pois o local escolhido pelo Senhor para ali pôr o seu Nome é longe demais, troquem o dízimo por prata, e levem a prata ao local que o Senhor, o seu Deus, tiver escolhido. Com prata comprem o que quiserem: bois, ovelhas, vinho ou outra bebida fermentada, ou qualquer outra coisa que desejarem. Então juntamente com suas famílias comam e alegrem-se ali, na presença do Senhor, do seu Deus. E nunca se esqueçam dos levitas que vivem em suas cidades, pois eles não possuem propriedade nem herança próprias.”
No terceiro ano os dízimos separados pelos produtores agropecuários eram entregues aos levitas, que os guardavam nos depósitos do templo (casa do tesouro), ou seja, armazéns, locais adequados para o estoque desses bens e alimentos, não somente em Jerusalém, mas em todas as cidades onde havia levitas. Dt 14:28,29
“Ao final de cada três anos, tragam todos os dízimos da colheita do terceiro ano e armazene-os em sua própria cidade, para que os levitas, que não possuem propriedade nem herança, e os estrangeiros, os órfãos e as viúvas que vivem na sua cidade venham comer e saciar-se, e para que o Senhor, o seu Deus, o abençoe em todo o trabalho das suas mãos.”
Os bens guardados nos depósitos/armazéns tinham a finalidade de suprir as necessidades dos levitas (o que certamente seria uma parte ínfima diante do todo recolhido) e de socorrer todos os pobres, viúvas e órfãos que ali se dirigiam para suprir suas necessidades básicas.
Diferente de outros povos, Deus ensinou seu povo a ser hospitaleiro com os estrangeiros, então esses, ao passarem pela terra de Israel, sabiam que podiam ser socorridos com alimentos e proteção contra o inverno (lã, principalmente) junto aos levitas nos depósitos onde eram armazenados os dízimos entregues de 3 em 3 anos pelos proprietários de terras.
Malaquias, tal qual subentendido também em outros textos que mencionam os desvios dos sacerdotes, fala de uma forma bem clara que os levitas não cumpriam com suas obrigações no trato com os dízimos a eles entregues pelo produtor rural de 3 em 3 anos.
Malaquias 3:8-10, principal texto tão usado (fora do contexto) atualmente pela liderança da igreja para erroneamente ensinar que Deus exige hoje de todos os convertidos ao Evangelho a entrega de dízimos e, assim, conscientemente ou não, impor medo de maldição sobre os filhos de Deus que o não fizerem, e/ou julga-los como avarentos, rebeldes e idólatras, foi uma palavra dirigida exclusivamente e exatamente à liderança do povo daquela época, isto é, aos sacerdotes (Ml 2:1).
“E agora esta advertência é para vocês, ó sacerdotes.”
Vale lembrar também que toda a profecia contida no livro de Malaquias era direcionada à nação de Israel, não tendo valor normativo para nenhuma outra nação, nem daquela época nem do futuro, muito menos para a Igreja de Jesus. Ml 1:1.
“Uma advertência: a palavra do Senhor contra Israel, por meio de Malaquias.”
Está claro que os sacerdotes roubavam de Deus os dízimos que eram entregues pelo povo. Deus leva tão a sério o socorro aos pobres que considerava que Ele próprio estava sendo roubado, e não o povo! O desvio dos dízimos pelos levitas se tornou uma prática comum em toda a nação, em todas as cidades de todas as tribos onde eles habitavam. E a terra de Israel e todo o povo sofria as consequências.
“Pode um homem roubar de Deus? Contudo vocês estão me roubando. E ainda perguntam: ‘Como é que te roubamos?’ Nos dízimos e nas ofertas. Vocês estão debaixo de grande maldição porque estão me roubando; a nação toda está me roubando. Tragam o dízimo todo ao depósito do templo, para que haja alimento em minha casa.”
Ao contrário do ensino comum atual, o texto de Malaquias não é uma advertência ao povo que não entregava os dízimos (e muito menos aos convertidos de hoje!), e sim aos líderes do povo de Israel que recolhiam os dízimos dos proprietários de terra, conforme estabelecido na Lei de Moisés, e os usavam para seus próprios interesses.
É provável que parte daqueles dentre o povo que deviam dizimar não o fizessem, seja por avareza mesmo ou por saberem que os sacerdotes desviavam esses bens em benefício próprio.
Tal qual ocorre hoje, em que cristãos (erroneamente convencidos da obrigatoriedade da entrega de dízimos e insatisfeitos com práticas de seus líderes) deixam de entregar em suas congregações, é provável que alguns na época de Malaquias deixassem de entregar aos levitas preferindo eles próprios distribuírem aos necessitados ao seu redor.
Acho importante salientar que a maioria dos que entendem que o preceito legal de entrega de dízimos é válido ainda hoje no seio da igreja, como era exigido dos proprietários de terras em Israel, defendem seu pensamento citando Malaquias 3.
Via de regra, esse texto é usado de forma isolada, como se tivesse caído de paraquedas dentro da Bíblia. Normalmente é o único texto usado nos ensinos sobre dízimo! Rarissimamente alguém, ao defender a ideia da validade dos dízimos para os dias de hoje, tem o cuidado de procurar onde na Bíblia o dízimo foi estabelecido, do que realmente se tratava, de quem era exigido, quando devia ser entregue, e qual era sua finalidade, dentre outros fatores.
Uma simples leitura dos textos anteriores a Malaquias, isto é, em Levíticos, Números e Deuteronômio, é suficiente para se concluir que é equivocado o costumeiro ensino, prevalecente nos dias de hoje, de que todo mundo em Israel entregava dízimo, de que era entregue todo mês, de que o lugar de entrega era exclusivamente o Templo de Salomão e, mais grave ainda, de que Deus espera de todos os seus filhos, na igreja hoje, a entrega de dízimos.
Na verdade, o preceito legal da entrega dos dízimos (tal como os preceitos dos sacrifícios de animais, da guarda do sábado, da circuncisão, e os demais preceitos da Antiga Aliança previstos na lei de Moisés) foi revogado com o advento da Nova Aliança no sangue de Cristo e do início da edificação da Igreja de Cristo a partir da ressureição de Jesus e do derramamento do Espírito Santo no Pentecostes.
“Pois quando há mudança de sacerdócio, é necessário que haja mudança de lei.”
“A ordenança anterior é revogada, porquanto era fraca e inútil (pois a lei não havia aperfeiçoado coisa alguma), sendo introduzida uma esperança superior, pela qual nos aproximamos de Deus.” Hb 7:18,19
Nos evangelhos há somente dois textos que fazem referência aos dízimos, ambos da boca de Jesus.
“Ai de vocês, mestres da lei e fariseus, hipócritas! Vocês dão o dízimo da hortelã, do endro e do cominho, mas têm negligenciado os preceitos mais importantes da lei: a justiça, a misericórdia e a fidelidade. Vocês devem praticar estas coisas, sem omitir aquelas.” Mt 23:23
“Jejuo duas vezes por semana e dou o dízimo de tudo quanto ganho.” Lc 18:12 (texto conhecido como “Parábola do Fariseu e do Publicano”)
Há cristãos sinceros que alegam que, em Mt 23:23, Jesus valida o dever de entrega dos dízimos por seus seguidores, ou seja, se Jesus citou o dízimo então ele deve ser praticado na Igreja.
No entanto, não é necessário aprofundar no assunto para entender que essa afirmação não tem fundamento bíblico, teológico e histórico.
Jesus não era ‘cristão’! Jesus era judeu! Jesus nasceu homem judeu sujeito à Lei de Moisés! Jesus, enquanto homem, cumpria a Lei. E Ele nunca instigou ninguém a descumprir a Lei; pelo contrário, nesse texto Ele diz para os judeus que eles deviam praticar a justiça, a misericórdia e a fidelidade e, também, dar o dízimo da hortelã, do endro e do cominho.
Nas ocasiões em que parece que Jesus contestava a Lei, na verdade Ele estava indo além da Lei, com o propósito de mostrar que a Lei fora dada por causa do homem e não o contrário! Ele demonstrou em algumas ocasiões que os homens deviam atentar para o “espírito da Lei” e não se ater à sua letra morta.
E, por curiosidade, Jesus e seus discípulos, mesmo sendo judeus, não entregavam dízimos, pois não eram proprietários de terras. Pelo contrário, talvez se enquadrassem na Lei como “pobres”, pois ao colherem milho numa plantação que não era deles, para saciar sua fome, não estavam roubando, e sim fazendo o que era permitido pela Lei de Moisés aos pobres.
Importante também lembrar que “o fim da Lei é Cristo”. Isso significa que o ‘objetivo da Lei’, ou seja, ‘a finalidade da Lei’, ‘a razão de existir da Lei’ era Cristo!
A Lei prevaleceu, ou seja, teve seu poder sobre os judeus, até que Jesus a cumpriu toda, e isto se deu quando Ele foi sacrificado como O Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo.
A Lei se encerrou, foi cumprida, quando o véu do santuário se rasgou de alto a baixo!
Uma nova lei foi promulgada a partir da vitória de Jesus sobre o pecado e a morte! E é sabido que, no ato do início de uma nova lei, todas as antigas que tratam dos mesmos assuntos são automaticamente extintas.
A Nova Aliança no Sangue do Cordeiro extinguiu por completo a Velha Aliança dos sacrifícios simbólicos de cordeiros com seus preceitos.
Hebreus 7 é o único texto bíblico pós-lei, isto é, escrito já no contexto da Nova Aliança, quando a Lei de Moisés já havia prescrito e não tinha valor normativo algum para a Igreja, que, em seu contexto, faz referência aos dízimos.
Ao contrário do que dizem alguns autores, Hb 7 não trata de dízimos! O principal objetivo do texto é demonstrar a incomparável superioridade do sacerdócio de Jesus sobre o extinto sacerdócio levítico.
Para isso ele argumenta que, se o sacerdócio de Levi fosse suficiente, não seria necessário Deus levantar outro Sumo-Sacerdote, Jesus Cristo, agora da “Ordem de Melquisedeque”.
Para mim, este “ser”, Melquisedeque, representa um dos grandes mistérios bíblicos dos quais só teremos conhecimento quando estivermos com o Senhor na Eternidade.
Em primeiro lugar, seu nome significa "rei de justiça"; depois, "rei de Salém" quer dizer "rei de paz". Sem pai, sem mãe, sem genealogia, sem princípio de dias nem fim de vida, feito semelhante ao Filho de Deus, ele permanece sacerdote para sempre. Considerem a grandeza desse homem: até mesmo o patriarca Abraão lhe deu o dízimo dos despojos!
Enfim, basta apenas uma leitura de Hb 7 para perceber que, diferente do que alguns autores afirmam, ele em nada valida a prática dos dízimos na Nova Aliança. Pelo contrário, é o texto que mais deixa claro que em Jesus foi extinta a exigência de todas as práticas da Lei Mosaica.
Um dos argumentos mais comuns na defesa da validade dos dízimos para a vida da igreja é o de que, embora os dízimos tenham sido instituídos na Lei de Moisés, sua prática “transcende” a Lei, visto que também é citado antes e depois da Lei.
Pessoalmente, há muito tempo estou convencido de que esse argumento carece de conteúdo, considerando minhas perspectivas sobre tais textos pré e pós Lei que citei aí para trás.
Os defensores desse argumento, porém, se esquecem de que, tal qual o assunto “dízimo”, a guarda do sábado e a circuncisão também “transcendem” a Lei e, por isso, seguindo o mesmo raciocínio, deveriam ser por eles praticados juntamente com a observância do dízimo.
Entrarei agora na história pós-bíblica, isto é, a partir do fechamento do cânon neotestamentário.
Em todos os escritos dos chamados “Pais da Igreja”, tais como Irineu, Orígenes, Justino Martir, Tertuliano, Cipriano, João Crisóstomo e outros cristãos dos séculos II ao V, cujos registros compõem a história da Igreja pós-apostólica, isto é, a partir da morte dos doze apóstolos de Jesus, não há uma sequer citação sobre a prática de entrega de dízimos.
Só lembrando, a entrega de dízimos era uma exigência da Lei de Moisés para o povo de Israel que vivia debaixo da Lei. A Igreja de Jesus, desde sua fundação, NUNCA praticou a Lei dos Dízimos de Levíticos, Números e Deuteronômio! Pelo menos nos primeiros 300 anos de sua existência!
Quando os escritos dos Pais de Igreja se referem a finanças na vida cotidiana da igreja, falam somente de contribuições voluntárias na comunhão dos santos, tal qual Paulo orientou à igreja de Corinto em sua segunda carta.
“Cada um dê conforme determinou em seu coração, não com pesar ou por obrigação, pois Deus ama quem dá com alegria.”
Um acontecimento que certamente trouxe grande prejuízo para a vida da igreja, embora provavelmente poucos assim discernissem à época, foi a suposta conversão do Imperador Romano Constantino I ao cristianismo no ano 312.
Até ali a Igreja de Jesus vivia em toda simplicidade, inclusive se reunindo nas casas. Assim fizeram por 300 anos! A igreja vivia realmente como organismo, como corpo de Cristo! E, como já vimos, em todo esse tempo jamais se falou na igreja sobre práticas oriundas da lei judaica, como a entrega de dízimos.
Vários desdobramentos negativos foram aos poucos se instalando na igreja, a partir da ‘conversão’ de Constantino, influenciando lentamente que a igreja deixasse de ser um organismo do céu para se tornar uma organização terrena.
A primeira medida do Imperador foi transformar os suntuosos templos pagãos em “templos cristãos”, depois veio o estabelecimento de um clero sacerdotal e o redirecionamento para a manutenção dessa nova organização de recursos oriundos de impostos, que anteriormente era repassado aos templos e sacerdotes pagãos.
Não demorou para que surgissem defensores da ideia de se estabelecer uma ‘contribuição obrigatória’, direto dos cristãos para os cofres da igreja, com a finalidade de manutenção de toda a estrutura que cada vez mais inchava e extinguia a vida da igreja que até então vivia nas casas sob a direção do Espirito Santo.
Como consequência de toda essa paganização da igreja, no ano de 582, durante o Sínodo de Mâcon, o antigo preceito do dízimo, da finada Lei de Moisés, começou a ser ensinado como obrigatório (quando se adotou a infame Teologia do Paralelismo entre a Igreja e o sistema sacerdotal/levítico veterotestamentário).
Quase mil anos depois, no Concílio de Trento (ou da Contrarreforma) - 1545 a 1563 - o dízimo ganhou força de lei cujo não cumprimento seria punido com a excomunhão.
Vale lembrar que, naquela época, historicamente denominada “Era das Trevas”, só a ameaça de excomunhão já gerava um tremendo terror mental hoje incompreensível para nós. Um exemplo claro é a do Imperador Henrique IV do Sacro Império Romano-Germânico, que, no ano 1077, ao ser excomungado pelo Papa Gregório VII, por divergências políticas, ficou três dias na neve, na porta do castelo onde Gregório se encontrava, suplicando ao papa para anular a sentença.
É interessante observar que a questão dos dízimos, via de regra, é hoje um verdadeiro tabu no seio da igreja cristã não católica. Pode se comparar a um dogma da igreja católica; isto é, algo que comumente só de pensar em discordar já gera um medo terrível no coração da maioria das pessoas. Muitos vivem um constante dilema interior, pois suas consciências apontam numa direção e o ensino doutrinário que recebem apontam para outra.
Tal problema é agravado pela histórica postura de boa parte da liderança cristã, que, ao se deparar com um irmão que pensa diferente do dogma começam por alertá-lo que “ser contra o dízimo é a primeira atitude de quem está se afastando de Deus!”. Já ouviram isso? Se a pessoa insiste em não ser convencida da verdade que essa liderança julga deter, o próximo passo é ser classificada como avarenta e, no último grau, rebelde e idólatra!
Na prática, a lei da excomunhão de quem discorda do ensino tradicional do dízimo, estabelecida no Concílio de Trento em 1563, continua presente em muitas igrejas nos dias atuais, ainda que com outra face.
Não tenho muitas informações sobre de que forma a Reforma Protestante que historicamente começou em 1517 tratou da questão dos dízimos. Porém, há referências que apontam que as igrejas protestantes a partir daquele momento deram ainda mais ênfase que a católica à obrigatoriedade do pagamento de dízimos, pois, via de regra, não recebiam do Estado as vultuosas contribuições das quais a católica era beneficiária.
Parte 2 - O princípio da Mordomia na vida do filho de Deus
Reitero que o objetivo desse trabalho é apresentar às pessoas de meu relacionamento (quando questionado ou por força das circunstâncias for necessário) minhas convicções sobre “Dízimos e Mordomia”, de forma a viver tranquilo com minha consciência e evitar desgastes com aqueles que amo.
Àqueles cujas consciências estão em paz praticando a entrega de dízimos sugiro que assim continuem, e, a ambos, “dizimistas” e “não dizimistas” convido a ouvirmos o conselho de Paulo em Rm 15:7.
“Portanto, aceitem-se uns aos outros, da mesma forma como Cristo nos aceitou, a fim de que vocês glorifiquem a Deus.”
Dito isto, parto para minhas considerações.
Absolutamente nenhum texto bíblico pós-pentecoste, isto é, a partir do início da Igreja, da Nova Aliança, sobre finanças, se refere a entrega de dízimos.
Todas as referências tratam exclusivamente de coletas, doações, ofertas e contribuições, as quais eram realizadas de forma voluntária e espontânea, sem qualquer constrangimento, pesar ou obrigação. No máximo, em alguma ocasião especial, era fruto de um compromisso temporário, assumido espontaneamente, para um fim específico.
Os textos salientam que toda e qualquer contribuição deveria ser feita com alegria e liberdade, como fruto de um coração agradecido pela abundância da dádiva da graça de Deus distribuída a todos os Seus filhos.
Vale repetir que em todos os escritos dos “Pais da Igreja”, dos séculos II ao V, no que tange a finanças e dinheiro no cotidiano da vida da igreja, não há uma sequer citação sobre a prática de entrega de dízimos.
O dar na Nova Aliança deve ocorrer sempre a partir de um propósito individual, cheio de toda generosidade, abominando toda e qualquer avareza e interesses escusos.
Uma prática antibíblica herdada da Idade Média passou por Lutero (simpático à Igreja Estatal) e ainda é presente atualmente: absolutamente ninguém na igreja tem o direito de “fiscalizar” as ofertas de seus membros e/ou usar o dízimo como parâmetro para medir a espiritualidade de alguém. Tal ato se constitui em uma arbitrariedade que contraria o ensinamento bíblico que nos diz que todo ato de caridade deve ser anônimo, algo pessoal entre aquele que oferta e o próprio Deus. E assim, o que nossa mão direita faz, a esquerda não tenha que saber (Mt 6:1-3).
Obviamente posso estar enganado, porém, pelo que tenho observado nos últimos anos, me parece que, quanto maior o viés institucional de um grupo cristão mais forte é o entendimento do dever atual de entrega de dízimos. E isso se aplica tanto a denominações que se reúnem em edifícios que normalmente chamam de “Templo” como a grupos que fazem questão de não ter nomes e se reúnem nas casas.
“Instituição” não é sinônimo de “Denominação”. Afinal, é possível que um grupo não denominacional, inclusive se reunindo nos lares, seja mais institucionalizado do que uma denominação com templo e placa na porta.
A institucionalização de um grupo de pessoas que se dispõe a compartilhar sua jornada em Cristo (bem mais sutil quando se reúnem nas casas) se expressa, em maior ou menor grau, pela existência, formal ou velada, de padrões de comportamento voltados mais para a organização do que para o organismo. Tende a engessar a liberdade do Espírito Santo no meio da assembleia.
No que tange às contribuições financeiras, o institucionalismo tende a centralizar as doações de seus membros, intermediando a sua aplicação, dificultando que cada membro aprenda a ouvir a voz do Espírito Santo e exerça livremente a generosidade no investimento no Reino de Deus e socorro de vidas.
Nada impede que haja alguma arrecadação centralizada com um fim específico, de preferência temporária, desde que seja absolutamente sob livre concordância dos membros, e sem julgamento daqueles que preferirem não participar.
A igreja precisa aprender a confiar no ensino e na direção do Espírito Santo na vida das pessoas de tal forma que todos cheguem à maturidade também na prática da generosidade, ao ponto de que nenhuma necessidade deixará de ser atendida pelo fato de não haver uma arrecadação centralizada para esse fim.
Como membros do mesmo Corpo devemos nos encorajar uns aos outros para continuamente aprofundarmos e fortalecermos nossos vínculos de amor no seio da congregação de tal maneira que todas as necessidades, de cada um, sejam naturalmente supridas no fluir da vida de comunhão da irmandade.
Relacionamentos profundos entre os membros do corpo possibilitam ainda que todos amem-se ardentemente uns aos outros (I Pe 1:22), sujeitem-se uns aos outros por temor a Cristo (Ef 5:21) e exortem-se uns aos outros todos os dias (Hb 3:13), de forma que qualquer atitude de avareza seja manifestada e em amor tratada no seio da congregação.
A vida do filho de Deus, não somente nas finanças, mas em relação a tudo que tenha ou seja, deve ser movida sempre considerando:
·       Generosidade
·       Abundância
·       Voluntariedade
·       Liberdade
·       Espontaneidade
·       Alegria
·       Gratidão
·       Propósito individual
·       Entendimento de Mordomia
·       Abominação da Avareza e da Simonia (compra e venda de bens e bênçãos divinas), o que, nesse aspecto, seria contribuir pensando em conseguir algo de Deus em troca
A prática dos dízimos:
·       traz em seu escopo impessoalidade, pois a contribuição é depositada num gazofilácio sem um fim específico
·       inibe a prática de ações de generosidade, pois retém recursos que poderiam ser usados em necessidades específicas de pessoas ao redor do contribuinte
·       traz o risco do “dizimista fiel” inconscientemente se tornar legalista e incorrer em avareza, pois ser dizimista não é sinônimo de ser generoso
·       contribui para a permanência do cristão num estado de imaturidade, pois não necessita ouvir o Espírito Santo em como lidar com suas contribuições
A prática da livre contribuição:
·       oferece oportunidades de evangelismo de não convertidos quando o Espírito Santo dirige o cristão a ajudar com suas finanças qualquer pessoa de seu relacionamento
·       ajuda a fortalecer os vínculos existentes entre os irmãos quando uns socorrem aos outros em suas necessidades
·       é um ótimo instrumento para o cristão aprender a ouvir a voz do Espírito Santo, pois Ele é quem deve guiar o “a quem” e “o como” contribuir
·       é o meio mais rápido e eficiente para o suprimento das necessidades das pessoas, pois o Espírito Santo é quem faz o elo entre o contribuinte e o necessitado
A comunhão íntima permite o ajudar uns aos outros diretamente. O uso de caixinhas, de terceiros, de intermediários, não é necessário.
O “uns aos outros” dispensa anonimatos. O corpo sustenta o corpo (Tg 2:14-16; Rm 12:11).
Fico tentado a relacionar uma série de caminhos para se exercitar a generosidade a todos, “especialmente aos da família da fé”. No entanto não o farei! Com certeza o Espírito Santo dirige cada filho de Deus, à medida que aprende a ouvir Sua voz, a doar de formas incríveis nos conceitos humanos!
Encerro transcrevendo um item do texto “Entendendo as diferenças entre Igreja Organização e Igreja Organismo”, de meu amigo Augusto Guedes:
MOVIMENTO FINANCEIRO - Pode parecer estranho, mas a vida financeira de uma igreja orgânica não exige balanço ou balancete, como acontece na organização. As arrecadações acontecem ocasionalmente, em função de alguma necessidade específica, cada um contribuindo livre e espontaneamente para aquela situação. É mais ou menos como um grupo de amigos que se cotiza para pagar a conta de um restaurante, quando aqueles que podem e querem participam, e o valor não deixa de ser pago. Não existe arrecadação dominical ou mensal, e nem por isso, órfãos, viúvas, e missionários deixam de ser atendidos. Se é uma volta à prática neotestamentária, não há lugar para os dízimos - impostos da teocracia - mas sim para o conceito de mordomia, quando tudo que pensamos ser nosso é do Senhor e apenas cuidamos, e o que efetivamente disponibilizamos para a obra, é em função da nossa satisfação em dar, ou aquilo que é proposto em nosso coração, lembrando que “Deus ama o que dá com alegria”.
Algumas referências sobre mordomia na igreja:
ATOS 4:32 a 5:10
I CORÍNTIOS 16: 1-5
II CORÍNTIOS 8 e 9
FILIPENSES 4:10-19
Saliento que esse meu texto poderá sofrer atualizações a qualquer momento, seja para melhor esclarecimento do que já foi exposto ou mesmo acréscimos e/ou correções que o Espírito Santo trouxer à minha consciência sobre o tema tratado.

Um comentário:

  1. Isso desmascara toda ideia errônea sobre o dízimo,precisamos estar alerta

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